sexta-feira, 21 de setembro de 2012

UM ALEMÃO DOENTE E DEVASTADOR


Não, eu não estou me referindo a Hitler e ao nazismo durante a Segunda Guerra Mundial, quando países foram invadidos e destruídos, milhões de pessoas foram assassinadas, e o horror do Holocausto, onde judeus foram mortos por carrascos nazistas, autores do maior crime já cometido contra a humanidade.  

Estou me referindo a um “ alemão”  degenerativo,  de nome Alzheimer  que toma conta das pessoas tirando delas as suas lembranças do presente, “ roubando sua mente e partindo o coração da família” .

 Essa doença recebeu esse nome devido ao neuropatologista alemão, Alois Alzheimer, descobridor de lesões no cérebro de uma mulher.

  No mês de setembro, mas precisamente no dia 21, a Lei n° 11.736 instituiu o  Dia Mundial da Doença de Alzheimer, com o objetivo de conscientização , união e busca de estratégias para lidar com a demência.

 Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde de Itaperuna, 70% das demências do município são da Doença de Alzheimer (DA). Por isso, foi criado o Centro de Doença de Alzheimer( para avaliação e distribuição de medicamentos para a doença como também para  o Mal de Parkinson). O CDA promove ainda palestras, informações para os cuidadores, cadastramento de pacientes, sendo coordenador o geriatra Dr. Edmilson Martins de Moraes. A ABRAz ( Associação Brasileira de Alzheimer) é quem apóia e esclarece sobre a doença a nível nacional.

 Cuidei de minha mãe portadora dessa doença, durante 15 anos e venho oferecer uma palavra amiga e um pouco da minha experiência para quem ama seus familiares ou amigos portadores de DA ( Doença de Alzheimer).

 Minha mãe  era uma mulher dinâmica, comunicativa, caridosa e apesar de sua pouca escolaridade, era sábia como todas as mães, tinha fome de informação e um sorriso espontâneo, sincero e bondoso.

 Quando esse “ alemão” invadiu sua vida , fui surpreendida pelas mudanças em seu comportamento e na rotina diária. Antes de procurar ajuda médica, eu era uma alegre ignorante no assunto, até brincava quando ela esquecia o meu nome e passava a me chamar de “ coisinha” .

 Até que o diagnóstico médico caiu como uma bomba: demência. E pelos sintomas seria a demência de Alzheimer. Só lembrava das pessoas e acontecimentos do passado. Tinha delírios, descuidava da higiene, ficou um tanto agressiva, chorava muito, não reconhecia as pessoas da família, etc. Como se não bastasse, ela ainda foi acometida mais tarde por um AVC.

  À princípio fiquei à deriva, minha vida entrou num caos. O que fazer? Como lidar com essa situação?

 Através de explicações dos médicos, de manuais e matérias disponíveis pela imprensa, como também da experiência de outras pessoas, aprendi que a DA tem vários estágios que podem durar anos e que “conquista” aos poucos seus pacientes. Assim, fui encontrando os meios e os instrumentos necessários para lidar com esse desafio.

 Com o passar do tempo, percebi que cuidar de uma pessoa, com esse tipo de demência é física e mentalmente esgotante. Nada pode ser programado além da necessidade de estar presente, à sua mão e ir assistindo impotente o Alzheimer ir afastando lentamente uma pessoa tão querida do mundo real. É como se a pessoa fosse morrendo a “ conta-gotas”.

Não sei o que foi mais doloroso, triste e complicado: a minha incapacidade de cuidar de minha mãe devido aos seus altos e baixos nos primeiros estágios ou depois , assistindo a degradação de um ser humano nessa fase de quase vegetação.Foi uma sensação de impotência e até de revolta que senti no início, ao perceber que estava perdendo a minha mãe tal como sempre a conheci.

 Foram momentos difíceis e marcantes. Como tirá-la de sua casa para trazer para a minha e separá-la de meu pai, já idoso, doente, mas consciente, sem condições de arcar com a responsabilidade e o peso de conviver com tal doença?

  Sempre foram muito unidos e, lembro-me emocionada do seu olhar de dor e ao mesmo tempo de compreensão. Mesmo sofrendo, apoiou minha decisão, pois sabia que era o melhor a fazer.

No entanto, enquanto viveu, nunca deixou  minha mãe um só dia, e de mãos dadas, recitava poesias, cantava uma música antiga  ou então fazia um silêncio de apoio e cumplicidade sempre confiante numa melhora. Um grande exemplo de companheirismo, amor e união.

 Tive que realizar uma série de mudanças, primeiramente em mim, nos meus familiares, na minha casa para adaptá-la melhor, proporcionando pelo menos a dignidade a que todos tem direito no fim da vida.

Foi preciso saber como minha mãe se sentia, buscar informações de como se processam as dificuldades na comunicação para que ela não ficasse agitada , ansiosa.Procurei criar um ambiente calmo, pessoas com sintonia com ela, evitando pessoas reativas, de baixa auto-estima, que são fontes de problemas para esses doentes. Sem contar a preocupação com a violência cometida contra idosos com DA ou outras doenças que vemos no noticiário do dia-a-dia.

  Devido à longa duração da DA, torna-se difícil lidar com o afastamento de familiares e amigos ( com pequenas exceções) que não podiam, não aguentavam, não queriam ou não tinham  tempo, muitas vezes de sequer dar um telefonema, quanto mais uma visita.. E coube a mim assumir a luta de cuidadora...

 Nessa batalha, encontrei em Deus a sabedoria para cuidar de minha mãe. Jesus disse que das crianças é o reino do céu. E minha mãe virou criança de novo com essa doença de regressão. Isso, de certa forma aliviou o meu coração. Deus sabe o que faz....

Tive também pessoas maravilhosas e especiais (marido, filhos, profissionais da área de saúde, cuidadoras), que me deram um ombro amigo para que eu pudesse dividir meus medos e inseguranças e que me permitiram na medida do possível  ter vida própria

  Às vezes , batia um desâmino e com ele, a vontade de desistir de lutar.Em seu livro “ Saber Cuidar” , Leonardo Boff diz: “ tudo o que existe e vive precisa ser cuidado para continuar a existir e a viver: uma planta, um animal, uma criança, um idoso, o planeta Terra”. O cuidado faz parte da essência do ser humano.

  Aí, percebi que o cuidado deve vir acima da vontade, pois é ele que resgata a dignidade dos pacientes de DA, muitas vezes condenados à exclusão.

 Procurei também me cuidar para que eu pudesse tratar a minha mãe com mais  carinho e todo cuidado que são subjacentes a essa doença.

 Para quem passa por uma situação semelhante: não desista. Apesar de ser complicado lidar com um problema desses, temos que ser fortes e lutar, pois não existe nada mais bonito que o amor incondicional de um pai ou uma mãe por seus filhos. E, se eles fariam tudo por nós , porque não fazer por eles?

 Acho até que a DA não mata. O que mata são as doenças oportunistas, os maus tratos, o desamor.

E o melhor remédio para esse mal é sem dúvida, o amor, a dedicação e a compreensão, porque hoje são eles, amanhã poderemos ser nós.

 Quero também dizer uma palavra para aquelas pessoas que por algum motivo justo ( trabalho, finanças, família, etc), não podem cuidar de seus doentes, precisando institucionalizá-los. Não se culpem por essa atitude, sei que gostariam de fazer o melhor, mas não têm como conseguir. Então, a instituição é a melhor solução, mas o

carinho, a atenção e o amor dos familiares são imprescindíveis. Se não puderem estar ao lado, procurem estar presentes de alguma forma.

 Nessa minha experiência ,  aprendi muito sobre a vida e tirei uma mensagem dessa doença: ao se lidar com o Alzheimer, o mais importante é valorizar o dia de hoje e curtir cada momento como se fora o último e o único a ser vivido.  Se minha mãe foi se retirando aos pouquinhos, restou-me mergulhar em nosso relacionamento do passado, para ter a sensação de que continuávamos juntas.

Deixo um trecho do livro Para sempre Alice, da escritora Lisa Genova: “ Meus ontens estão desaparecendo e meus amanhãs são incertos. Então, para que vivo? Vivo para cada dia. Vivo o presente. Num amanhã próximo, esquecerei que estive aqui diante de vocês e que fiz esse discurso. Mas o simples fato de eu vir a esquecê-lo num amanhã qualquer não significa que hoje eu não tenha vivido cada segundo dele. Esquecerei o hoje, mas isso não significa que o hoje não tem importância.”

 

                     Dilene Germano

  

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