segunda-feira, 19 de novembro de 2012

ANJINHOS NEGROS

Dois filmes marcaram a minha infância: Marcelino Pão e Vinho e Angelitos Negros. Ambos de produção mexicana que faziam muito sucesso...na época!.
No cinema formava-se um verdadeiro tsunami provocado pelas lágrimas da platéia.  Lembrei-me disso quando ouvi, depois de muito tempo ( sou jurássica assumida em matéria de música), a canção Angelitos Negros, tema do filme.
É um poema do escritor venezuelano Andrés Eloy Blanco, que protesta contra os artistas que representam os anjos brancos em suas pinturas, mas excluem os anjos negros.
Apesar de antiga e um tanto dramática (snif, snif, snif), nesse momento de lembranças, representa para mim um hino contra a discriminação racial.
Segue a letra:
“ (...)Pintor de santos y alcovas/ si tienes algo em el cuerpo/ por que al pintar em tus quadros/ te olvidaste de los negros/ Siempre que pintas Iglesias/ pinta angelitos bellos/ Pero nunca te acordaste / de pintar um Angel negro.”
 Esse tema andou mexendo comigo: a etnia dos anjos. Não sei qual ponto de vista pesou mais, se foi o religioso, o artístico ou o social. Porém todos caíram num lugar comum: a exclusão.
 Religiosamente, não tenho muita argumentação. Só sei que Deus é universal, assim como Sua Graça e Salvação, a qual não pertence a nenhuma etnia . Deus não tem propósito em assumir uma preferência étnica ao se revelar aos homens, logo não faz sentido que Seus anjos se manifestem assumindo traços de determinadas etnias ( loiros, ruivos,negros).
Na verdade, quase ou nunca vi imagens, pinturas, filmes, revistas e poesias, com representações de anjos  negros.
Talvez por ter sido um dos primeiros ensinamentos religiosos recebidos de minha mãe, minha imagem de anjo é a figura do anjo da guarda e desde cedo aprendi a abrir meu coração para ele.
 Mas não entendia quando durante o mês de maio, após às ladainhas,  as meninas pobres e  negras  não  se vestiam de anjos para coroar a imagem da Virgem Maria.
E porque não os meninos? Afinal, dizem que anjos não tem sexo!
 Algo que me chama a atenção é o modelo clássico e repetitivo de transformar o que poderia ser diferente , numa mesmice que contagia a muitos. Por que temos que pensar somente em anjos brancos, de olhos azuis e cabelos louros? Por que não pensar em anjos de pele negra, amarela, asiática? Por que temos que associar a cor escura a algo ruim? Quando estamos numa fase ruim, não é assim que dizemos: “ a coisa está preta?” Onde será que aprendemos  e ensinamos isso?
Passou-se o tempo e comecei a entender o lado cruel do preconceito e da exclusão. E a curiosidade infantil a me perseguir: Faltava para mim, um anjinho negro ou uma “ anjinha”, pintados em algum lugar.
E consegui achar! Foi durante uma excursão com alunos, às cidades históricas de Minas Gerais. E o que vi, foi um cenário colonial maravilhosos e emocionante, ligado á história, `a arte e à religiosidade do povo brasileiro.
Pela primeira vez, na Igreja de São Francisco, vi representados uns exemplos de anjos negros, cercando a Virgem Maria também retratada como uma mulher mulata, nas pinturas de Manuel da Costa Ataíde, fugindo assim, da pintura européia.
De certa forma me pareceu que a arte  de Mestre Ataíde falava  diante dos abusos, dos desmandos dos poderes, da violência , da discriminação, do preconceito , da intolerância e da exclusão dos diferentes.
Satisfeita minha curiosidade infantil, aprendi a lição! O que importa é o que simbolizam!
Ainda em relação aos anjos, tem gente que não acredita neles. Eu acredito. E muitas vezes não têm asas- a eles chamamos de amigos. Mas eu acredito que anjos existam mesmo.
Como seria a forma física  desses anjos?
Pouco importa. Na verdade, para mim, isso já não é relevante. Acho até que os próprios anjos não estão preocupados com cor, sexo, rótulos e nomes . Eles só querem ajudar.
 Então..., acredito na força dos anjos brancos, negros, indígenas, asiáticos com ou sem asas, como amigos a quem podemos recorrer a qualquer momento. Anjos disfarçados de gente que abrilhantam nossa vida, sejam voando, andando, correndo ou navegando...
Fique na Paz!
Dilene Germano

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